quarta-feira, 9 de setembro de 2015

o medo

http://translatingcuba.com/the-persistence-of-fear-ernesto-morales-licea/

Há um fado da Amália que se chama o medo e diz, "o medo mora comigo/ mas só o medo".
O medo mora em todos nós um bocadinho. Toda a gente tem medo de alguma coisa: ratos, aranhas, escuro, aviões, alturas. O medo, que é comum aos animais, é o nosso garante de sobrevivência que viaja connosco desde o início dos tempos e nunca nos abandona. E ainda bem. Mas diz o fado que o medo nos isola, tolhe, aprisiona.
É esta a nossa batalha diária de sermos humanos. Matar ou morrer. Lutar ou fugir. E o medo que nos comanda, e a razão e os sentimentos que nos travam ou impelem a avançar.
Eu tenho vertigens. E basta às vezes um metro de muro para me sentir à beira do abismo, à beira da queda, à mercê do medo que é físico, acelera a pulsação e a respiração, contrai os músculos, arrepia a pele e gelo da cabeça aos pés. Bloqueio ou grito? Aí, é quando eu rebusco as forças da minha consciência e digo a mim própria "calma, é um metro, deste lado há terra, se caíres não te magoas, é só um passo e acaba". Um passo e venci o medo e não me aconteceu rigorosamente nada.
O medo, mora nas notícias, nos blogs, nas páginas de facebook. Há muita gente bloqueada - é o medo dos outros. Há muita gente a fugir - é o medo de morrer. Há muita gente a gritar - é o medo de enfrentar o abismo ou de cair nele. O medo mora comigo. O medo mora com eles. Mas só o medo.
Eu também tenho medo. Sou como o Churchill - tenho medo do medo. do medo animal e irracional. Mas também sei que o medo é meu amigo.
Já que toda a gente tem uma solução para os refugiados - ainda que um número incrivelmente grande ache que é atirá-los ao mar com uma grande pedra ao pescoço- eu deixo aqui as minhas:
1. quem já chegou, já chegou - é acolhê-los de forma humana, reparti-los pela Europa, família por família, localidade por localidade, apoiá-los de início e dar-lhe condições para se tornarem independentes e para se integrarem, mantendo uma vigilância discreta, não vá o diabo tecê-las e alguns serem mesmo terroristas.
2. quem está a caminho, não volta atrás - é criar estruturas de apoio ao longo do percurso para que não continuem a chegar pessoas apavoradas a uma barreira em que o medo de não passar e o instinto de matar ou morrer nem que seja a lutar por sentirem que não há para onde fugir originam os conflitos que temos visto; se as Nações Unidas ou qualquer outra organização reconhecida criassem balcões de registo na Turquia, na Grécia, na Sérvia onde pudessem ser registados os refugiados, verificadas as identidades e depois encaminhados, muita violência se poderia evitar.
3. quem ainda não partiu, precisa de condições para ficar- é preciso travar a guerra a morte e a exploração na origem, criar zonas protegidas, corredores de segurança e insistir num cessar fogo. Quase todos fogem porque não têm condições de ficar. Porque o medo os impele a salvarem-se.
4. refugiados e países de passagem, destino e acolhimento - colocar no terreno mediadores: psicólogos, tradutores, negociadores e não soldados armados (alguns armados em parvos) e cães.
5. informar refugiados e europeus uns sobre os outros - para os refugiados nós somos os sortudos que vivem no paraíso com luxos inacreditáveis como água e o direito de dormir à noite; para nós eles são ou um monte de gente compreensivelmente desesperada (embora com alguns arruaceiros pelo meio) ou uma horda de terroristas que vêm para cá por bombas e roubar empregos (como se eles não estivessem fartos de bombas)
6. criar condições para que rapidamente quase todos possam volta à sua terra e reconstruir o seu país - que é o que quase todos querem: nem que para isso (perdoem-me porque eu sou profundamente pacifista mas sei que há males que não se tratam com aspirina) seja necessário atacar fortemente o estado islâmico e não me digam que os serviços secretos e os exércitos altamente especializados deste mundo não sabem onde eles estão nem se lembram como treinaram os seus lideres para agora preverem como os travar.
7. apelar à calma interior e exterior e vencer o medo tendo coragem para dar um passo.
Senhor Ban -ki-moon, e senhor Guterres, se quiserem eu ajudo-vos a organizar isto e nem levo caro (as Nações Unidas são um monstro macrocéfalo que se alimenta dos fundos que deviam ser destinados a estas coisas, e eu não quero ser um peso grande demais).

Se eu tenho medo que os refugiados tragam uma enorme instabilidade à Europa e prejudiquem alguns ou todos nós, eu tenho. Mas recuso-me a ficar em cima do muro congelada de costas para quem tem tanto ou mais medo do que eu. Há malucos assim... graças a deus, tenha lá deus o nome que tiver.Amália

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