sexta-feira, 6 de abril de 2012

Das crianças, parte 2


Hoje, feriado antes da páscoa, é um daqueles dias em que não há sítio onde se encontre mais gente do que nos centros comerciais.
Ora andava eu numa loja daquelas grandes de uma multinacional espanhola franchisada, ouço o discurso alterado de uma mulher a ralhar com alguém. Olho, uma cabecita loira de caracóis pelos ombros e o choro sentido. Rapidamente percebi - o menino de uns dois anos, no máximo três, tinha-se perdido na loja.
A mulher, gorda, mal-arranjada, o cabelo desgrenhadamente apanhado num rabo-de-cavalo, a cara redonda avermelhada, a pança a emergir de uma camisola desbotada (por certo não encontrava naquela loja uma peça que lhe servisse ao corpo ou à carteira) discutia com a criança assustada:
" Não voltas a andar sozinho, ouviste? Não conversámos já em casa? Assim nunca mais vens!"
Isto e mais um chorrilho de ralhetes despropositados, ao passo que a funcionária da loja se ajoelhou docemente ao lado da criança e lhe falava baixinho para o acalmar.
Fiquei furiosa. Estava aquele leão marinho a arrastar a criança por um braço, meio pendurado, a chorar a chorar e a bruta a berrar com ele como se a culpa fosse dele. Come se ele pudesse compreender que tinha culpa. E são estes monstros que têm filhos! Pus-me a refilar eu, pelo meu lado, com a minha mãe, como aquela mulher era estúpida e como gente assim tem filhos. Como se atirar a culpa dela para cima do pobre do menino a fizesse parecer menos incompetente e bruta como procriadora. Queria ir lá, arrancar-lhe a criança da mão e dizer-lhe umas verdades.
A coisa mais fácil que há é uma criança perder-se numa loja cheia de gente e expositores com roupa, principalmente quando ninguém está de olho nela como era o caso.
Lembro-me de ter cinco ou seis anos e de me perder da minha mãe na feira. De repente só via muitas pernas à minha volta, nada de mãe nem de tia e eu pequenita, com a minha capa de chuva lilás, comecei a chorar. Foi um minuto, dois, não mais, embora me tivesse parecido uma eternidade e pelo meio daquelas dezenas, centenas de pernas apareceu a minha mãe e atrás a minha tia a dizer que estavam ali, ali mesmo um metro mais ao lado. Tinham parado numa banca, dei dois passos e já estava sozinha num mundo hostil. Ninguém me ralhou, claro. A minha mãe acalmou-me disse-me para não chorar, que estava ali, estava tudo bem, as pernas todas desapareceram, seguiram o seu caminho.
Talvez por isso, sempre que saio com crianças, não as largo um segundo que seja. Digo "não as largo" porque não lhes dou a mão, agarro-as pelo pulso e por muito que puxem ou saltem não as largo nunca. Levei o meu afilhado que já tem dezoito anos (como isto me faz parecer experiente, para não dizer velha), as minhas primas, os meus "sobrinhos" e nunca os perdi de vista um bocadinho que fosse. E quando vou com uma amiga às compras fico de lado com o carrinho do bébé ou a tomar conta dos garotos.
Mais uma vez concluí que há gente que devia ser proibida de ter filhos. Devia. E devia ser eu a decidir!